sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guerra moderninha

Não sei ao certo quem começou com isso. Nem sei se alguém sabe. O fato é que há algumas décadas atrás, na época dos 'bacanas', do funk, do pop estourado e da ascenção do rock brasileiro mais agressivo, popularizou-se uma expressão que caracterizava os 'não' usuários de drogas.

O surgimento da expressão taxativa 'careta' (arrepios) - tal qual o pejorativo 'maconheiro' - iniciou uma guerra fria - e invisível - entre usuários e não usuários da Maria Joana.

Ideologias à parte, eu acabei fazendo parte do grupo dos 'não', simplesmente por não querer ou não ter interesse. Acabei caindo de pára-quedas no meio da troca de tiros e, em pleno século XXI e na década da modernidade, ainda escuto ambas as expressões com uma freqüência absurda e o pior!, da boca de pessoas tão novas que não eram nem vivas quando estes rótulos inúteis nasceram.

Não que possuir apelidos ou ser taxada de alguma coisa me incomode. Até pelo contrário. Acho que alguns rótulos que meus bullyies me deram, ao longo do meu pequeno percurso de 20 anos nessa terrinha de meu Deus, me incentivaram a passar por cima das falácias dos outros e me fizeram aprender a ser mais eu mesma.

No entanto, esta, em particular, me dói os ouvidos e me faz coçar os olhos toda vez que ouço ou leio. Mais uma vez: não que me ofenda. Simplesmente acho desnecessário.

Tal como uma pochete, 'careta' para mim é uma coisa que, por mais simbolize ou signifique uma espécie (homus caretus), é tão intragável quanto giló. E o mesmo se aplica à expressão pejorativa para caracterizar os jogadores do time 'adversário'.

O porquê, na minha cabeça, é simples e eu vou explicar:

Todo adjetivo tem um oposto, certo?

Bom - ruim, bonito - feio, caro - barato, legal - chato, etc.

Quando se pensa em (ergh) 'careta'... qual o antônimo?

Descolado? (Noossss!)

Pra-frentex? (Putz)

Eu não sei porque mas eu ainda não consigo conceber a ideia do 'careta'. Acontece que o 'careta' em si é 'careta' demaaaaais. (Piti de moça)

Eu sou, sim, fashionista de palavras. O que não soa bem, está fora de moda e não agrada meus ouvidos, eu costumo me arrepiar até o último fiozinho de cabelo da nuca.

Além disso, a partir desta espécie de troca de 'ofensas', cria-se uma esquisitice meio 'ariana', de quem que faz, é evoluído, quem não, é atrasado, retraído. E vice-versa.

Posso falar o mesmo de quem gosta de pronunciar 'maconheiro' com uma ojeriza digna de quem é hitlerista e está falando de um grupo de "ratos judeus".

Enfim, colocando o mundo da moda e das características meio históricas das palavras de lado, eu acho que esse fenômeno (do uso do 'careta' e 'maconheiro') acaba provando um fato que sempre me intrigou: as pessoas que os utilizam, às vezes, podem estar meio que presas no passado. Daquelas cores berrantes e que usar as duas expressões era tão legal quanto usar shortinhos laranja-neón de tactel curtos. Em que desfrutar de algum tipo de substância ilícita ou não desfrutá-la e bater no peito por isso era quase tão significativo quanto se colocar na frente de um tanque de guerra.

Eu acho que o tempo já passou o suficiente, o mercado das informações já cresceu e a gente já é um povo bem mais moderninho para estar se utilizando de expressões taxativas antiquadas e insossas, que criam barreiras entre as pessoas.

De barreira, já não basta o preconceito, a ignorância, a desigualdade social? A gente precisa ficar se encaixando em categorias para criar uma maneira de seleção (nada natural) entre nós? Se dividindo e sub-dividindo e, pior, dando vazão para que as ideias pré-concebidas negativamente existam?

Como já dizia Martin Luther King: 'I had a dream...'

I had a dream no qual, sinceramente, ser ou não 'careta' não importava.

E eu que pensava que isso já acontecia...

6 comentários:

  1. Aquela boa e velha obsessão humana por títulos e rótulos. Tudo precisa de um nome e, assim, esquecem-se os rotuladores das benesses que o anonimato às vezes gera.

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  2. Pensarei antes de usar tais termos. rs

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  3. De Mary, Ana, Luci e Paula (AS Lacerdas)
    Imagine! (risos) Pode ler em Inglês, evocando o acordes de Lennon ou com um forte e arrastado sotaque paranampucado!!!

    Amamos, Maluh menina gênio princesa!!!! Felizes ideias e palavras!

    - Olha (Ana falando), assisti a uma palestra lá no SESC, com Viviane Mosé (outra gênia, discípula de Nietszche, Mestra, Profa... Dá uma olhada no site dela)

    Bom, Viviane falava da palavra. disse: "A palavra é como moldura... A carga que ela carrega quando sai de mim não é a mesma que chega à compreensão de quem as recebe. Eu digo ao meu namorado (ela falando) "Eu te amo"; a palavra/moldura sai de mim cheia de sentimentos de mulher e chega aos ouvidos dele com um excesso de carga dos "eu te amo" das lembranças de uma mãe repressiva lááá da infância..." - Bom... Palavras da gênio. - Dá uma boa reflexão. Quem quer ser careta? eu não quereria, SE...

    Enfim: tia Ana aprendeu a curtir a palavra "careta"... Complemento com Caetano em "Vaca Profana": "Mas eu também sei ser careta! De perto, ninguém é normal..."

    Já sofri um bocado com os hematômas que provocam a necessidade tamanha de rótulos. Principalmente os "enrustidos": "Tu gostas de cabelo curto mesmo, não é?", "Não teve filhos por quê?!" E por aí vai.

    Menina princesa gênio, ainda hoje peno nas dores dessa mania, mas comecei a ter orgulho de alguns. "Eu TAMBÈM sei ser careta..." - Esse "também" é uma moldura tão preciosa nesses 46 aninhos, que até rio de embolar de rótulos... Experimenta e me diz na próxima crônica que estaremos acompanhando. Somos fãs desde sempre. Parabéns!!!

    Amei o blog, dps te apresento os meus (Ana).
    Amamos (as tias todas/rsss)Beijos!
    AS Lacerdas (facebook/dps descobriremos essa de URL/kkkk)

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    1. Obrigada, tias! =D

      Pois é. Eis que eu vi recentemente em um texto do famigerado governador do Estado de Sergipe ao escrever seu posicionamento sobre um fato - uma desventura - da cantora Rita Lee aqui na terra do carangueijo:
      'Como já diria Chico Buarque: nem toda loucura é genial e nem toda lucidez é sinal de velhice'. (Ou algo do tipo)
      Apesar de conhecer - e me interessar - pouco sobre Buarque, achei fantástico.

      E é por aí né? É a sociedade-fazenda gostando e querendo dar nome a todos os bois, bezerros, etc.

      Beijos!

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  4. Adjetivos sempre existiram... eu só tenho que ser eu

    Por mais que em algum momento eu não agrade a determinados indivíduos, tenho que conseguir não dar tanta importância a quem de fato não tem.

    Resta-me procurar agir da maneira que acredito ser a correta para mim e não para os outros.

    E como dizia o poeta:

    "Essa gente é igual, eu sou diverso -
    mesmo entre os poetas não me aceitariam.
    Às vezes nem sequer ponho isto em verso -
    E o que digo, eles nunca assim diriam."

    (...)

    "Tenho náusea carnal do meu destino.
    Quase me cansa me cansar. E vou,
    Anônimo, menino,
    Por meu ser fora à busca de quem sou."

    Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa - trecho)

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