domingo, 27 de outubro de 2013

A vida de Pi

Eu cresci pensando que eu não conseguia ficar sozinha.

Mas isso nunca foi um problema; ao meu redor, várias pessoas - familiares, amiguinhos, vizinhos, criançada em geral.

Nunca foi um problema.

Também passei por diversos momentos de introspecção, ainda pequena. Muitas horas deitadinha numa rede, olhando pro nada, divagando... sobre alguém.

É, mesmo quando estava só, eu tinha companhia.

E parafraseando uma passagem fenomenal: "naturalmente está acontecendo na sua cabeça, Harry, e porque isto siginifica que não é real?"

Era real. Sempre foi.

Mesmo sozinha, fantasmas reais me perseguiam e ainda perseguem sempre.

Criei monstros sozinha; adestrei-os; pus debaixo da asa e protegi com todas as minhas forças.

Não, eu não estava lá sempre. Da mesma forma como eles saíam para viver suas vidas e nem sempre estavam lá por mim.

A cobrança é intríseca aos laços.

Se de um canto puxa, o outro tem que exercer máxima força para equilibrar as forças, do contrário, um dos lados vai cair.

E sempre cai.

Me mudei mais de uma vez e não posso dizer, hoje, que estou acostumada.

Não me acostumei a dizer adeus pela janela do carro, lágrimas aos olhos, coração na mão. Me despedi dessa forma brusca de um cachorrinho que era meu e que, por motivos diversos, não poderia ficar comigo aonde eu ia. Deixei nas mãos de quem confiava, mas a cena em que o vi, relutante, debatendo-se nos braços de alguém, desesperadamente aflito por nos ver indo embora, sabendo, de fato, que não iríamos voltar tão cedo e, - pior - que de alguma maneira escolhemos sua amiguinha - meu outro bicho de estimação - para ir junto e não ele, tudo isso rasgou meu ser por dentro e nada se emendou até hoje.

Eu nunca chorei em partidas. Não acho necessário, porque se for para continuar, vai continuar e não são léguas de distância que irão abalar isso.

Não acho digno choros de despedida quando depois, sem muita explicação, se desenvolve um vácuo entre duas pessoas onde tanta coisa preenchia.

Meses depois, reencontrei este meu cachorrinho em uma de minhas férias.

E aí, a surpresa: ele veio, uma bolinha branca com um olhar astuto, curioso. Carro na garagem. Quem será? Na indecisão do corre-ou-não-corre para cumprimentar os recém-chegados, ele se desarmou com outra bolinha branca cujo cheiro ele reconhecia muito bem.

Correu de encontro a sua amada e, juntos, fizeram festa por alguns segundos.

Logo depois, com seu olfato canino, reconheceu outras pessoas.

Daí, o inesperado. Eu fui a última.

Não, não vou dizer que houve uma reviravolta na história - que ele me reconheceu por último e que, posteriormente, passou muito tempo pulando em cima de mim, me lambendo ou saudando minha vinda.

Pelo contrário, foi rápido: uma cheirada e tchau.

Não preciso dizer, também, que aquilo doeu, muito mais do que as pessoas mais endurecidas possam imaginar. Besteira, coisa de cachorro! De fato, não pareci me importar e continuei minha visita à família que não via há muito tempo normalmente.

Mas aquilo se tornou um início de várias coisas e pessoas que vieram, fizeram história comigo, partilharam de momentos únicos, foram irmãos, irmãs, amigos, família e depois foram embora, diversas vezes por motivos tão ínfimos que não consigo nem lembrar ou enumerar.

Ir embora não é o problema.

O problema é não saber reconhecer, ou deixar claro para o outro, nem que seja por um segundo, que você foi importante na sua história. É não relembrar com um brilho nostálgico nos olhos quando alguém menciona aquele nome. É não saber reconhecer que aquele alguém merece mais do que sua indiferença/orgulho/mágoa.

É ter certeza que mais vale as palavras ditas, mesmo dolorosas, do que um silêncio infantil, desagradável e perpétuo.

É saber que a vida é curta e nós temos que dizer o que queremos dizer, especialmente para quem a gente se importa.

A corda volta a puxar de um lado e o outro cai.

Não vou mentir que muitas vezes falei demais. Outras, calei demais. Sou humana, também erro.

Mas, recentemente, sinto que este ciclo de despedidas mal feitas e corações arrebentados por motivos pequenos me sonda como uma praga.

Algumas vezes é difícil dizer adeus, mas talvez eu conseguisse se a honestidade fosse prioridade número um de quem está do outro lado...

"Em algum lugar dois olhos estavam felizes por eu estar lá. Eu tinha certeza que Richard Parker olharia pra mim, que de alguma forma sinalizaria o fim do nosso relacionamento. Mas ele não o fez. Ele desapareceu para sempre da minha vida. Eu chorei como uma criança, não por estar aliviado por ter sobrevivido, embora estivesse. Eu chorei porque Richard Parker me deixou sem nenhuma cerimônia. Partiu meu coração. Todos estavam certos, Richard Parker nunca me viu como amigo. Depois de tudo que passamos juntos ele nem olhou pra trás, mas eu acredito que havia mais nos olhos dele do que apenas o meu reflexo me olhando de volta. Eu sei disso, eu senti, mesmo que não possa provar. Olha, eu deixei tantas coisas pra trás... Suponho que no fim a vida seja um processo de abrir mão, mas o que sempre me doeu mais foi não ter um momento pra dizer adeus"
(Life of Pi)

sábado, 12 de outubro de 2013

Playin' the victim

Já que escrevo cartas para ninguém, devo começar dizendo que eu tenho muito medo de morrer.

A sensação vem o tempo todo e agora com mais frequência.

Tenho medo de alguns psicopatas que cruzam meu caminho e tenho medo de algumas situações que a vida me impõe e que não sei lidar.

Tenho medo inclusive de escrever tudo isso porque sei que este texto vai parar nas mãos erradas - assim como sempre para.

Os que estão mais interessados em ler o que eu tenho a dizer são aqueles que querem a minha ruína e querem descobrir pedacinhos frágeis que possam se utilizar contra mim no momento em que acharem oportuno.

Não nasci pronta pra batalha, tampouco sou ingênua a ponto de não sacar cada um de vocês.

Não sou a melhor - a mais atlética, a mais talentosa, a mais desenvolta -, mas consigo sacar quando estou dando murro em ponta de faca e quando estou lidando com gente que não presta ou que não merece a atenção.

Tenho tantas inseguranças que enchem o pote e não consigo caminhar sozinha sem alguém do meu lado.

Faço-me de vítima sempre que possível e interpreto draminhas que vão te deixar marejando em simpatia.

Sou egoísta e posso ser vingativa sempre que julgo interessante.

Sou orgulhosa e virar as costas para mim, justo quando eu não esperava, pode ser a última ligação que possuímos juntos.

Blá, blá, blá, o que eu quiser falar.

Acho, sim, que eu mereço mais que muitas pessoas e que estou ficando para trás por causa da porra da sacanagem do destino que dá lugar pra gente que nasce com o cú voltado para a lua.

Fazer o quê, é mais uma revolta de uma burguesinha que não sai, conta grana, conta gramas, não tem roupa bacana e nem é chamada pra sair com mensagem de texto.

Não, cacete, essas não são as únicas coisas que importam na vida!

Mas fodam-se os hipócritas, cada um tem sua cruz, cruzeta, cruzinha e faz o que quiser com ela.

Perseguir sonhos não é fácil e ficar entre quatro paredes com um mundão lá fora é ainda mais difícil.