sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ode ao filho

Quem dera fosses vivo.

Quem me dera que existisses e que eu pudera te embalar em meus braços.

Quem me dera que eu pudesse dizerte um conselho ou dois à luz da lua, enquanto ela, cheia, ilumina a janela do teu quarto e tu descansas tua cabeça no meu colo.

Eu aliso teus cabelos que te caem à testa, e te conto histórias - minhas e inventadas - nas quais lições de moral brotam como flores na primavera.

Quem me dera tu existisses, porque simbolizas um vínculo de confiança inatingível, onde nada e nem ninguém do mundo pode chegar.

Eu te contaria segredos, e tu, no auge dos teus poucos anos, me contarias aventuras e descobertas que a mim, mesmo bobas, seriam incomensuráveis.

Ouvir teu riso e consolar teu pranto me seriam júbilo e aflição ao mesmo tempo.

A cada palavra, a cada gesto, a cada dente novo, uma nova bolha de emoção que estoura em meu peito, como uma pequena bombinha de pólvora em meu coração.

'Sim', eu te diria. 'Não', eu te diria.

Ambas palavras significariam tanto, especialmente diante das minhas preocupações e anseios, e de tuas expectativas e frustrações.

Queria que tu existisses para que eu pudesse ser tua fortaleza; porque, ao que me parece, não consigo ser o mastro de mim mesma.

Não consigo achar tal ser que me segure, que me leve no colo e me faça promessas que hão de ser cumpridas.

Tudo é muito superficial: os rostos, os risos, as piadas, os choros, as esperanças, as falas.

Vazias.

Tu, não.

Tu serias de uma imensidão, mesmo que pequeno. Tu serias minha rocha mais forte, mesmo com poucos centímetros e com sabedoria ínfima.

Queria eu que tu existisses, para que, pelo menos por um curto espaço de tempo, fosses só meu e eu inteiramente tua.

Não teria medo de tatuar teu nome em minha carne, e muito menos de gritar para os quatro ventos que és minha vida para sempre.

(...)

Eu não te almejo. Porque tenho medo do que podem fazer contigo quando estiveres pronto a me dar as costas.

Mas te desejo do fundo do meu coração, para ver se consigo, por pouco tempo que seja, conhecer o que é se dar por completo e ter a esperança verdadeira de que o ser humano é mais que carne, osso e maldade.

Por fim, queria dizer que, onde quer que tu estejas - se és futuro meu ou não - que te amo mais do que tudo.

Que nenhum amor humano te alcança porque o que sinto por ti é divino. Fazes falta, mesmo não estando do meu lado.

Carne da minha carne. Sangue do meu sangue.

Meu instinto. 

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A menina que prendia o cabelo com o próprio cabelo

No dia em que eu descobri que ser chata é a melhor opção de convivência, li este texto que um amigo meu - futuro colaborador, espero - me enviou "despretensiosamente". 

Ele não bota fé em seus dotes 'contísticos' ou 'cronísticos' - assim como boa parte dos meus amigos dos quais sinto que têm um puta talento pra isso -, o que me deixa pensando 'vai entender...'. Mas, mesmo com o ceticismo destas criaturas, estou pensando em criar um espacinho, assim como a coluna do Mulher 7X7 da Época, com os textinhos dos homens. No 7X7, são os Homens de Segunda (melhor título, quase impossível). No meu, pode ser que eu rebaixe os queridinhos ainda mais e eles se transformem nos meus Homens de Quarta. (Estou me comparando ao 7X7. O que uns comentários Anônimos não fazem, hein?).

De qualquer forma, achei um texto bem adequado para uma quarta-feira cansativa, na qual cheguei a conclusão de que ser mal humorada é melhor política de vizinhança. Mostra que um pouquinho de açúcar num dia amargo deixa um gostinho de limonada. (Oops)

Boa leitura:

A menina que prendia o cabelo com o próprio cabelo

Um ser humano de inteligência inegável, que me foge o nome no momento, certa vez disse que “o sorriso é a porta de entrada da alma”. Não há como se negar tal frase, visto que não há nada mais sedutor e intrigante do que um sorriso. Este gesto ínfimo pode ter tantos significados, mas naquela tarde só teve apenas um para mim... 

Corri desnecessariamente para pegar o ônibus, pois havia uma fila de pessoas para entrar ainda. Esperei a minha vez para subir. Era o penúltimo da fila - atrás de mim só havia ela. Percebendo tratar-se de uma figura feminina, naturalmente deixei-a passar a frente. Ela sorriu para mim, sorriu de uma forma tão arrebatadora, tão intensa, daquele jeito que nos deixa sem saber o que fazer. Foram apenas três míseros segundos de olhares trocados, mas foi um tempo suficiente para eu dedicar-lhe atenção nos trinta minutos seguintes.

No ônibus, ela se postou do meu lado. Dava umas olhadas de canto de olho, daquelas que só as mulheres sabem fazer. Passava a mão no cabelo, olhava novamente, alisava o cabelo, e dava uma olhada de novo. Ela não era a menina mais bonita, nem era a mais notável, mas tinha aquele olhar profundo e aquele sorriso que me tirou do chão. 

Uma mulher se levantou do assento que ocupava. A menina do sorriso arrebatador se sentou. Ela parecia cansada, não fisicamente, psicologicamente. Voltou a me checar com o canto do olho, precisava saber se eu estava lá. Constatando a minha presença, voltou a mexer no cabelo. Desta vez, desfez o seu penteado e começou a fazer um novo. Segurou um rabo-de-cavalo e soltou uma mecha de seu cabelo, meio castanho claro, meio castanho escuro. Girou a mecha entre os seus dedos e depois prendeu o rabo-de-cavalo com o próprio cabelo. Eu estava hipnotizado por aqueles movimentos. Seus dedos, sua nuca, seus cabelos, tudo nela parecia ter sido feito para me atrair. 

Chegava a hora de descer do ônibus. A curta viagem não era tempo suficiente para eu admirá-la ou até mesmo puxar alguma conversa. Olhei para ela em uma última e desesperada tentativa de dizer um oi ou um tchau. Mas nada, foi apenas um olhar. Ela olhou para mim quase sorrindo como se dissesse “sabia que você estava me olhando o tempo todo, tchau, foi um prazer”. Desci do ônibus. 

Ela era pretensiosamente esperta aquela menina. Tinha um ar de quero mais, mas ao mesmo tempo não sabia o que queria. Deduções a parte, não sei se algum dia a reencontrarei e talvez nem deva. Na minha cabeça, ela pode ser só minha. Com as qualidades e defeitos que eu mesmo inventarei, para mim, ela sempre será a menina que prendia o cabelo com o próprio cabelo.