terça-feira, 15 de novembro de 2016

Maria

Não dá para ficar calada.

Não dá.

Mesmo que esse desabafo venha em forma de texto, é melhor do que engolir e tudo se transformar num câncer de fígado daqui a alguns anos.

Para que não digam que é exagero: a matriarca da minha família segurou até onde pôde. Segurou mesmo. E olha que ela chorava, brigava, fazia furdunço. No fim, um câncer que deixou a disposição de pintar os cabelos de vermelho para trás. Hoje os fios são ralinhos e brancos. Muito vulnerável pra ela. Muito.

Pensei comigo mesma: “alguém pinta o cabelo de voinha, pelo amor de Deus! Essa não é ela!”. Mas, sinceramente, eu não sei se essa não é ela mesmo. Vai ver ela cansou de tentar e a dor é a má conselheira do desleixo. Eu também sou uma das pessoas mais desnaturadas que existem quando se trata de família. Não viajo para enterros, batizados, aniversários ou casamentos. Sou muito fechada além do meu pequeno núcleo. Desconhecer minha avó a esse ponto – quando ela não pode vir mais até mim – é completamente natural. Só espero que eu tome coragem logo porque, aliás, ela é o meu maior símbolo de bravura e persistência.

Por enquanto, já fico com a herança de seu nome: Maria. O clichê mais indômito que existe, na minha opinião. Tenho maior orgulho e Oxalá eu herde apenas a coragem. Segurar demais a barra dá câncer. E daqueles tão avassaladores que você simplesmente não lembra de pintar o cabelo.

sábado, 18 de julho de 2015

2 much 2 ask

Sabe aquilo que você sonha? Esquece.

Sonhos são projetos de realidade impossíveis de serem confirmados. Você nunca vai ter certeza de que irão se realizar ou não. A incerteza é grande. Não tem como saber se irá realizá-lo e não existe 'Segredo' que o ajude.

Projetar? Nem sempre adianta.

Você sonha com aquele emprego maravilhoso, que te preenche, que te satisfaz, que é gostoso e gratificante.

Não vai rolar se VOCÊ quiser. Vai rolar se a vida quiser. E a vida é aquela 'relentless bitch' a qual todos os seriados se referem.

Sonha com aquele grande amor? Aquele que 'te transborda, não te completa', aquele que é sempre manso porém feroz quando é preciso ser, aquele que é cheio de dengos e carinhos, mas sabe te mostrar uma boa diversão quando você precisa.

Não vai rolar se VOCÊ quiser. Vai rolar se o outro quiser. E o outro é aquele incógnita cheio de joguinhos, traumas e mimimis particulares que só a alma do próprio pode compreender. Poderia ser um amor em potencial? Poderia. Mas as amarras do passado de cada um definem o que vai acontecer.

Você sonha com a felicidade. Aquela que não vem de dinheiro ou de coisas materiais. Mas aí vem aquela enfermidade e pow! Para tratá-la você precisa de milhares de notas para pagar pelo seu bem estar. Seja no leito do hospital, já convalescente, ou seja no potinho de iogurte saudável, sem açúcar, sem sal, sem nada - apenas a pasta que promete saciar as papilas gustativas. Não vai rolar se  VOCÊ quiser. O contraditório da necessidade vai te mostrar que, até para ser feliz, depende-se de algo
maior do que você pode alcançar com suas próprias mãos.

Aí, resta-nos rezar, implorar pros deuses que acreditamos um novo amanhã. Rápido, sem mais demora, porque a vida do outro parece estar se resolvendo num piscar de olhos e a sua continua estagnada.

Mesmo que você saiba apreciar o perfume das manhãs, o ar solitário e reconfortante que ela traz, o prazer de rolar com seus filhos no chão, a alegria de ver sua mãe e seu pai felizes, a satisfação de ver o seu irmão sorrindo... Pra isso, ainda me resta o sistema, que absorveu boa parcela das mentes humanas e que fez questão de blindar quem ainda conseguia se sentir realizado com mais um dia. Só de respirar. Só de estar vivo. Só de poder abraçar quem ama. Nada disso importa. Aliás, nada do que
VOCÊ define como prioridade é realmente importante. Vai depender do que os outros, impregnados com as ideias de tal conjunção vil, completamente doados ao espírito mundano do ser algo ou alguém - já que isso não depende somente do seu nascimento.

Se você existe, você não é alguém. É preciso um diploma pra isso.

Bom, por aqui deixo mais um texto depois de alguns meses (ou anos, não sei) de jejum na escrita.

Mais uma vez, um texto sem muitas emoções positivas. Apenas um olhar sobre sincero sobre o que acontece.

Se sou infeliz? Não. Apenas me encontro exausta de depender da vida, do outro, do dinheiro e do sistema para sobreviver.

Quero andar com minhas próprias pernas e encontrar meu grande amor. É pedir demais.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

When I speak in english

Sometimes I wish to be somewhere else.

I wish to be on an island. Where I could put my feet on the sand... feel the little fishes biting my flesh while I sense the waves licking my legs... slowly... in their own rythym.

I wish to be in the desert. Where the sun would warm my face and the sand would give me directions - whether up or down - , the heat would make me feel alive and the sky would be so blue and there would be the infinite.

I wish to be in the city. Where the people around me would walk fast and talk loud. The crowd would guide me to places I've never been. The lights would blind me and the energy would lift me up, no matter how down I'd've been. Where the city could swallow me, chew me and puke me, just like in the movies.

Sometimes I wish to be home.

Where there's mom. There's dad. There's dog. There's cat. There's small talk at the table and bad mood in the morning. Where the break-ups live for minutes and patience must live forever. Where peace is easy to find, even when there's a huge fight at dinner.

Sometimes I really wish I had a home and not be back for nights.

To see if I'm missed. To experience the possibility that I am dead and watch how my family would react if I was not coming back in, like, ever.

I wish I was at a friend's house. In a party. In a club. Somewhere peaceful. Somewhere nice.

Where everybody could see me and actually see that I'm trying - so hard - to please everyone else that I forget about me every single time.

The only pleasure I get on my life is when I give someone else happiness, moods, fights, sex, anything.

I don't even care if I cum in sex anymore. Actually, I don't think I've ever cared.

I only wanted to love. And to tender. And to cherish. And to support.

And I forgot about me.

Honestly, I don't think there's a way back for me... I don't imagine myself actually caring only and exclusively about myself and my dreams. I feel empty because I learned - from myself, I don't attribute this to anyone else - to be empty when I'm alone.

I left my heart on someone else's cares a long time ago and didn't get it back. I honestly don't think I can.

I'm not saying that the person still owns it. I just haven't learned how do pulse by myself, so my heart is stuck upon a shelf somewhere... dirty, waiting for me to come back, give him home, give him peace, give him blood, give him life.

I'm on automatic right now and never been such a mess.

Still, life goes on and I continue to pretend - to everybody e to myself - that I'm a dreamer, that I don't care, that I can do it by myself.

Sometimes I wish I had no religion. That I could live without believing in God or anything that is above me.

You see, I run. I travel a hundred million miles and I still don't know where I am.

I wish I was somewhere else. Where no one could find me... but myself. Corky that way, but it is a true story.

domingo, 27 de outubro de 2013

A vida de Pi

Eu cresci pensando que eu não conseguia ficar sozinha.

Mas isso nunca foi um problema; ao meu redor, várias pessoas - familiares, amiguinhos, vizinhos, criançada em geral.

Nunca foi um problema.

Também passei por diversos momentos de introspecção, ainda pequena. Muitas horas deitadinha numa rede, olhando pro nada, divagando... sobre alguém.

É, mesmo quando estava só, eu tinha companhia.

E parafraseando uma passagem fenomenal: "naturalmente está acontecendo na sua cabeça, Harry, e porque isto siginifica que não é real?"

Era real. Sempre foi.

Mesmo sozinha, fantasmas reais me perseguiam e ainda perseguem sempre.

Criei monstros sozinha; adestrei-os; pus debaixo da asa e protegi com todas as minhas forças.

Não, eu não estava lá sempre. Da mesma forma como eles saíam para viver suas vidas e nem sempre estavam lá por mim.

A cobrança é intríseca aos laços.

Se de um canto puxa, o outro tem que exercer máxima força para equilibrar as forças, do contrário, um dos lados vai cair.

E sempre cai.

Me mudei mais de uma vez e não posso dizer, hoje, que estou acostumada.

Não me acostumei a dizer adeus pela janela do carro, lágrimas aos olhos, coração na mão. Me despedi dessa forma brusca de um cachorrinho que era meu e que, por motivos diversos, não poderia ficar comigo aonde eu ia. Deixei nas mãos de quem confiava, mas a cena em que o vi, relutante, debatendo-se nos braços de alguém, desesperadamente aflito por nos ver indo embora, sabendo, de fato, que não iríamos voltar tão cedo e, - pior - que de alguma maneira escolhemos sua amiguinha - meu outro bicho de estimação - para ir junto e não ele, tudo isso rasgou meu ser por dentro e nada se emendou até hoje.

Eu nunca chorei em partidas. Não acho necessário, porque se for para continuar, vai continuar e não são léguas de distância que irão abalar isso.

Não acho digno choros de despedida quando depois, sem muita explicação, se desenvolve um vácuo entre duas pessoas onde tanta coisa preenchia.

Meses depois, reencontrei este meu cachorrinho em uma de minhas férias.

E aí, a surpresa: ele veio, uma bolinha branca com um olhar astuto, curioso. Carro na garagem. Quem será? Na indecisão do corre-ou-não-corre para cumprimentar os recém-chegados, ele se desarmou com outra bolinha branca cujo cheiro ele reconhecia muito bem.

Correu de encontro a sua amada e, juntos, fizeram festa por alguns segundos.

Logo depois, com seu olfato canino, reconheceu outras pessoas.

Daí, o inesperado. Eu fui a última.

Não, não vou dizer que houve uma reviravolta na história - que ele me reconheceu por último e que, posteriormente, passou muito tempo pulando em cima de mim, me lambendo ou saudando minha vinda.

Pelo contrário, foi rápido: uma cheirada e tchau.

Não preciso dizer, também, que aquilo doeu, muito mais do que as pessoas mais endurecidas possam imaginar. Besteira, coisa de cachorro! De fato, não pareci me importar e continuei minha visita à família que não via há muito tempo normalmente.

Mas aquilo se tornou um início de várias coisas e pessoas que vieram, fizeram história comigo, partilharam de momentos únicos, foram irmãos, irmãs, amigos, família e depois foram embora, diversas vezes por motivos tão ínfimos que não consigo nem lembrar ou enumerar.

Ir embora não é o problema.

O problema é não saber reconhecer, ou deixar claro para o outro, nem que seja por um segundo, que você foi importante na sua história. É não relembrar com um brilho nostálgico nos olhos quando alguém menciona aquele nome. É não saber reconhecer que aquele alguém merece mais do que sua indiferença/orgulho/mágoa.

É ter certeza que mais vale as palavras ditas, mesmo dolorosas, do que um silêncio infantil, desagradável e perpétuo.

É saber que a vida é curta e nós temos que dizer o que queremos dizer, especialmente para quem a gente se importa.

A corda volta a puxar de um lado e o outro cai.

Não vou mentir que muitas vezes falei demais. Outras, calei demais. Sou humana, também erro.

Mas, recentemente, sinto que este ciclo de despedidas mal feitas e corações arrebentados por motivos pequenos me sonda como uma praga.

Algumas vezes é difícil dizer adeus, mas talvez eu conseguisse se a honestidade fosse prioridade número um de quem está do outro lado...

"Em algum lugar dois olhos estavam felizes por eu estar lá. Eu tinha certeza que Richard Parker olharia pra mim, que de alguma forma sinalizaria o fim do nosso relacionamento. Mas ele não o fez. Ele desapareceu para sempre da minha vida. Eu chorei como uma criança, não por estar aliviado por ter sobrevivido, embora estivesse. Eu chorei porque Richard Parker me deixou sem nenhuma cerimônia. Partiu meu coração. Todos estavam certos, Richard Parker nunca me viu como amigo. Depois de tudo que passamos juntos ele nem olhou pra trás, mas eu acredito que havia mais nos olhos dele do que apenas o meu reflexo me olhando de volta. Eu sei disso, eu senti, mesmo que não possa provar. Olha, eu deixei tantas coisas pra trás... Suponho que no fim a vida seja um processo de abrir mão, mas o que sempre me doeu mais foi não ter um momento pra dizer adeus"
(Life of Pi)

sábado, 12 de outubro de 2013

Playin' the victim

Já que escrevo cartas para ninguém, devo começar dizendo que eu tenho muito medo de morrer.

A sensação vem o tempo todo e agora com mais frequência.

Tenho medo de alguns psicopatas que cruzam meu caminho e tenho medo de algumas situações que a vida me impõe e que não sei lidar.

Tenho medo inclusive de escrever tudo isso porque sei que este texto vai parar nas mãos erradas - assim como sempre para.

Os que estão mais interessados em ler o que eu tenho a dizer são aqueles que querem a minha ruína e querem descobrir pedacinhos frágeis que possam se utilizar contra mim no momento em que acharem oportuno.

Não nasci pronta pra batalha, tampouco sou ingênua a ponto de não sacar cada um de vocês.

Não sou a melhor - a mais atlética, a mais talentosa, a mais desenvolta -, mas consigo sacar quando estou dando murro em ponta de faca e quando estou lidando com gente que não presta ou que não merece a atenção.

Tenho tantas inseguranças que enchem o pote e não consigo caminhar sozinha sem alguém do meu lado.

Faço-me de vítima sempre que possível e interpreto draminhas que vão te deixar marejando em simpatia.

Sou egoísta e posso ser vingativa sempre que julgo interessante.

Sou orgulhosa e virar as costas para mim, justo quando eu não esperava, pode ser a última ligação que possuímos juntos.

Blá, blá, blá, o que eu quiser falar.

Acho, sim, que eu mereço mais que muitas pessoas e que estou ficando para trás por causa da porra da sacanagem do destino que dá lugar pra gente que nasce com o cú voltado para a lua.

Fazer o quê, é mais uma revolta de uma burguesinha que não sai, conta grana, conta gramas, não tem roupa bacana e nem é chamada pra sair com mensagem de texto.

Não, cacete, essas não são as únicas coisas que importam na vida!

Mas fodam-se os hipócritas, cada um tem sua cruz, cruzeta, cruzinha e faz o que quiser com ela.

Perseguir sonhos não é fácil e ficar entre quatro paredes com um mundão lá fora é ainda mais difícil.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

'Tá foda!

Eu não lembro quando tudo começou, quando eu comecei a ficar ranzinza com essas coisas e parei para questionar e franzir o cenho sobre elas.

Eu sei que não é de agora e faz muito tempo.

Entregar-me ao belo é como uma droga. Me fascino pelo que tentam me vender porque ornamentam muito bem e sou quase que impulsionada a acreditar em tudo que a mídia tenta me enfiar e goela a baixo.

Mas porquê não deveria?

Soa muito bem, é agradável aos olhos e quase sempre é gostoso ao paladar.

Me vejo escrava de tudo isso e com poucas - e milagrosas - possibilidades de volta.

Recentemente me vi envolta numa enxurrada de ditaduras absurdas e numa sociedade tão "livre" nunca vi tantas normas.

Ouvir da boca de um jovem, bonito e simpático regras e mais regras que ele dita, bem ditado, com um grande sorriso no rosto é frustrante.

O Fuhrer atual está circulando entre as pessoas mais bacanas que conheço até as mais antipáticas nas quais não faço questão de prosseguir quaisquer diálogos.

Numa sequência quase que ininterrupta, o rapaz conseguiu ditar- volto a repetir, com orgulho - uma longa lista e "poder" e "não poder" de alimentos que nos são oferecidos hoje pela mídia, pelo mercado, pelo escambáu.

E friso novamente, com um sorriso no rosto.

Lembro que vi recentemente um filme, daqueles pastelões, onde dois policiais, supostamente fracassados, são mandandos numa missão à paisana num colégio de ensino médio norte-americano como uma espécie de punição por uma trapalhada que fizeram nas ruas. O objetivo: capturar um traficante de drogas que estava vendendo à torto e direito dentro da instituição.

Um deles era uma "tragédia social" na época da escola e o outro um bacanão boa-pinta. Obviamente, quando são instruídos da missão, o bonitão toma as rédeas e decide que, por sua experiência bem sucedida em seu passado adolescente, deve conduzir a dupla no que, mal sabem, tornaria-se um confuso e surpreso desafio.

Os jovens populares, os manda-chuvas da parada na escola onde os dois oficiais são enviados não são mais  do mesmo perfil de rebeldes e populares que o "Boa Pinta" costumava conhecer. Os novos "rebeldes" são aqueles que se importam com o meio ambiente e vão de bicicleta pra escola e não de carros tunados e saltitantes. Vestem-se com decoro e usam as duas alças das mochilas nos dois ombros para não fazer mal a coluna. Comem bem e se importam com a saúde de seus corpos ao invés de se entupirem de hambúrgueres e coca-cola (mesmo que não tenha nenhum ratinho dentro, haha).

Não queria me prolongar demais no resumo da história do filme mas é porque o próprio fala por si só.

'Tá foda.

Está cada vez mais difícil entender, na minha cabeça, o que É ser jovem.

A ditadura da beleza, da magreza e todos os 'ezas' possíveis trouxeram uma enxurrada de leis e regras que são cagadas - desculpem - por meninos e meninas, jovens que, sim, sentem orgulho de saberem de cor e salteado todas as calorias de um x-burguer.

Na mais clichê das expressões, eu digo: fala sério!

Eu não estou entendendo mais nada.

Mais um exemplinho:

Na minha brilhante - sem ironia - ideia de fazer Produção Musical com foco em Música Eletrônica, um dos meus geniais - novamente, sem ironia nenhuma - professores nos deu uma excelente aula sobre os movimentos punk e do hip hop.

Na aula, nosso professor abordou brevemente a história de ambos os movimentos, assim como seus conceitos, ideologias e contextos. Essa disciplina tem como propósito nos instigar a investigação de estilos musicais diferentes, assim como nos dar base para ampliar nossos repertórios musicais como futuros produtores que vão trabalhar diretamente com isso: música.

E o quão lindo foi ver trechos do documentário que conta a história da banda punk inglesa, Sex Pistols. The Filth and The Fury ("O lixo e a fúria") relata o movimento que mudou o pensamento jovem de tantas maneiras e que tem seus galhos enraizados nas vertentes musicais até hoje.

O doc emociona quando mostra jovens que não sabem tocar, cantar ou sequer são visualmente atraentes se vêem frente a frente com a idelogia do do-it-yourself (faça você mesmo) e decidem que, porra, já era hora de alguém falar alguma coisa!

De famílias sub-salariadas e numa crise pós-guerra, com direito a greve de "lixeiros" de Londres e uma cidade hospedeira de lixo enquanto o glam não saía das ruas dando um contraste incrível e sufocador, os garotos do que viria a ser o Sex Pistols ensaiavam brigando e faziam performances que remetiam ao "Corcunda de Notre Dame" - grotesco, mas que chama a atenção de alguma forma.

E para compreender melhor estas minhas analogias que parecem sem sentido, vou anexar o vídeo com este doc muito bem feito por Julien Temple abaixo quase como um glossário para as minhas divagações sobre a minha juventude.

Voltando aos Pistols, o que é fantástico é ver o que não aparentemente ter vez e voz ganhar ambos em meio a guitarras distorcidas e gritos de revolta.

Na cidade onde o caos era comum à classe C, as manifestações faziam sentido. E a música seguia tudo isso.

Foi porque fez sentido que os Pistols fizeram sucesso mesmo não correspondendo à nenhum padrão da época.

Foi porque fez sentido o que diziam que suas letras se tornaram históricas.
Foi porque fez sentido que eles se eternizaram e são idolatrados até hoje.
Foi porque fez sentido que eles foram e ainda são - para alguns - a cara da juventude.

E hoje?

Nada faz sentido pra mim. Tenho algumas boas referências de blogs, pessoas e instituições que lutam para tentar calar de alguma forma o Fuhrer da beleza, da magreza, da mulher como objeto, do funk ostentação, do forró e sertanejo que assassinam e dilaceram nossa cultura original, da injustiça social, do racismo em demasia, do dinheiro que supera a arte e da falsa alegria das redes sociais.

Vejo essas bandeiras e fico emocionada tanto quanto fiquei com o documentário que vi dos Pistols.

Ali estão nossos punks. A revolta hoje é contra a própria juventude: chata, misógina, caga-regras, rotuladora, superficial e babaca que aparece na TV e na internet PENSANDO que representa alguém.

Como já vi a autora do blog "Escreva, Lola, Escreva" comentar: ainda há esperança. E putz, se ela, depois de ler tantos absurdos, afirma que ainda tem esperança, talvez ainda tenha e eu embarco com ela nessa.

PS: Quanto ao diálogo com o jovem da história acima, quero esclarecer: converso e entro, até demais, nestas conversas porque também acredito num equilíbrio de interesses - entre o certo e o errado. Só senti esta necessidade de desabafar sobre isso porque... ah, porque pra mim, chega!

Como prometi, "The Filth and the Fury". E se você, como eu, também tá entrando na onda dos novos Fuhrers, inspire-se!

domingo, 28 de julho de 2013

Fábula

Você acorda no meio da noite de sobressalto.

O mesmo impulso de sempre, muito familiar, te conduz a um destino desconhecido. Você nao sabe para onde seus pés, agora calçados em chinelos, podem lhe conduzir.

Como um puxão na altura do umbigo e com a altivez de um dever importante, você se deixa levar pelos instintos e vai, praticamente às cegas, de encontro ao que te chama.

Vagueia pelos corredores, hoje com paredes descascadas daqueles mesmos aposentos que você pintou e reformou tantas vezes. As dobras e protuberâncias de cada pedaço da casa, tão familiares quanto teu próprio corpo. As flores do papel de parede estão amarrotadas como que murchas e os rasgos de infiltração parecem rugas no teto e nas portas que abrigaram tantas coisas ao longo dos anos...

Tantas emoções, frustrações, brigas e reconciliações.

Lar doce lar.

Você continua caminhando e tropeça em um objeto ou outro que está ao chão.

Rastros de um descontrole emocional da noite anterior.

Dentro em pouco, você arrumará aquela bagunça. Primeiro, o dever chama, esqueceu?

Tantas coisas, tantos objetos, tantas recordações... O seu esforço, a sua dedicação, a labuta diária, uma busca pelo equilíbrio para que nada seja deixado de lado. Tudo em prol de comida, afeto e outras coisas que eram para vir de graça num mundo ideal.

Tudo comprado, tudo adquirido.

Bom trabalho, quer uma medalha? Você conseguiu sobreviver de sofrimentos e heróis são feitos de dificuldades e não de alegrias.

O dever chama.

Agora, você ouve com mais nitidez os suspiros e os gemidos de aflição.

Ah, aquela voz tão familiar... Você ouve aquele choro desde quando eram gritos no meio da noite, indefesos, assustados e assombrados pelos monstros imaginários da infância, pelas dores que nao conseguem ser expressadas, pela solidão que o tomava de susto na noite, quando ele olhava ao redor e não via ninguém no escuro.

O dever chama.

Mas não havia dever - e ainda não há, porque pelo visto a caminhada continua - mais satisfatório que aquele. O alívio dele se torna seu alívio quando, embalado em seus braços, os monstros desaparecem aos poucos, sendo enterrados novamente onde vieram. Seus olhinhos procuravam os seus, ansiosos, suas mãos tateavam pela sua face, desesperadas. A angústia também era a sua, o pavor também era seu.

Ao debruçar-se, no hoje, pela soleira da porta, viu o pequeno, já grande, envolto em um manto vermelho de sangue.

Sua visão congela e seu corpo não reage mais aos estímulos. O choro, hoje grosso e embargado de sofrimento mundano, quase que lhe ensurdece e tudo se torna turvo.

Aquele corpo, com aquelas marcas e sinais que você tanto conhece, caído, ensaguentado, como de um guerreiro em fim de batalha. Ele chora, copiosamente, pela própria dor.

- Dói. Me ajuda, por favor, dói.

Você continua sem ação. Qual fora o motivo daquilo? O que acontecera?

Pior: como você deixou acontecer? Ele nunca deveria ter deixado o pequeno leito que você comprou, pensando na melhor posição de dormir e nas supostas alergias que poderiam ser desencadeadas ao longo dos primeiros meses de vida.

Como aconteceu?

Então, de súbito, você percebe que o sangue não é só dele. Um outro corpo, inerte, aberto, sangrento, está ao seu lado e ele o escolta como se necessitasse da proximidade entre os dois.

- Eu o matei. Eu o matei.

Ele grita.

O sangue em suas mãos, a faca pontiaguda e brilhante ao lado era uma coadjuvante no cenário trágico e parecia ter vida, mostrando-se arrependida da desgraça que acabara de causar.

Você tenta se abaixar, tenta o embalar, mas não consegue. Como se uma parede invisível te separasse daquele que você cuidou, desde pequeno, e que agora suplica por ajuda por conta da dor.

Não há o que fazer...

Aos poucos, toda a conjuntura começa a fazer sentido. A faca, os dois corpos brutalmente feridos, tanto, mas tanto sangue.

Aquele que veio de você pareceu ter aprendido o melhor, apesar dos seus próprios demônios.

Fora induzido ao crime, mas não suportou a própria culpa. Viu-se obrigado a se esfaquear para equalizar o que estava fora de equilíbrio. Sacrificou-se pela vida que ele mesmo apreciava - e isso, vale ressaltar, é o ponto alto da questão: ele amava o corpo morto ao seu lado.

Tudo que levara aquilo ele aprendeu com você. Buscar o equilíbrio, sacrificar-se por quem se ama, pôr um fim no sofrimento de quem se quer pelo resto da vida por perto.

A ironia de tudo aquilo lhe mata por dentro e você se vê sangrando da mesma forma, o gosto amargo subindo a sua garganta.

- Me ajuda, por favor... Não agüento mais...

Sem ter noção dos seus próprios movimentos, você se agacha. Sabe que é tarde demais pra ele pela respiração difícil, pela profundidade dos ferimentos, pela quantidade de sangue derramado.

Tarde demais.

Não havia embalo, canção ou qualquer palavra que pudesse salvá-lo e retirar todo aquele sofrimento para longe.

Deus, não havia imaginado aquilo! Depois de tudo, depois de tanto.

Involuntariamente agarrou o colarinho de sua camisa e puxou o rosto pálido e quase sem vida do seu filho de encontro ao seu.

Você sente seu hálito, sua respiração fraca - como nos dias de gripe -, seu suor frio e pegajoso - como nos dias em que a febre lhe perseguia como um predador.

Não era a mesma coisa.

Agora era tarde demais.

O amor, o equilíbrio, o sacrifício estavam o levando, aos poucos, para onde você não pode alcançar.

Sabia que ele não interpretaria errado suas palavras assim como também tinha conhecimento que ele o conhecia demais para encará-las como uma despedida amorosa.

Era sua carne.

Fechou os olhos, testa contra testa, e murmurou, quase sem forças:

- Eu nunca quis te ter.

E a reação dele diante dessas palavras foram as esperadas, o seu último presente especial de cria para progenitor: um sorriso fraco, trêmulo, pálido diante da morte.

Deixou que se fosse, contrariando a ordem natural das coisas.

E, no fim das contas, enquanto embalava o corpo morto que ajudara a vir ao mundo, a sobreviver e a morrer, deu-se conta de que a ironia da tragédia seria pontuada como apenas uma profecia amarga que você mesmo fez e, ainda por cima, atribuiriam a culpa daquilo na sua falta de atenção, na sua ausência e no seu pessimismo.

Mas a morte de quem você mais amou, no fim, lhe trouxe a sentença de solidão que você sempre carregou apesar de todos ao seu redor. A morte lhe trouxe a certeza de que o amanhã mais completo é aquele em que o equilíbrio, o amor e o sacrifício formam elementos óbvios e que a busca é desnecessária.

A morte lhe trouxe o verdadeiro sentido da vida, enquanto acariciava os cabelos de alguém que não ia chorar mais, não ia sofrer mais, não ia sentir qualquer dor.

E a vida fez sentido quando você se lamentou por si, desejando estar morto no lugar de alguém.